Com pandemia, crianças ficaram mais expostas a violações
Conselheiros tutelares celebram seu dia abordando desafios trazidos pela Covid-19 e pedindo integração ao Judiciário.
Com a pandemia da Covid-19, a morte de pais e mães pela doença, o desemprego e a perda do poder de compra na família, o alcoolismo em casa e o aumento da desigualdade escolar expuseram mais crianças a riscos de violações de direitos, impondo ainda mais desafios à atuação dos conselheiros tutelares, conforme exposto em audiência pública nesta quinta-feira (18/11/21).
Realizada na Comissão de Esporte, Lazer e Juventude, a pedido de seu presidente, deputado Zé Guilherme (PP), a reunião marcou na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) o Dia Nacional dos Conselheiros Tutelares, comemorado em 18 de novembro.
Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.
Encarregados de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, os conselheiros tutelares presentes revindicaram autonomia financeira para os conselhos, melhores salários e um novo arranjo institucional para essa instância, defendendo ainda a importância do trabalho em rede sobretudo num cenário como o da pandemia.
“Os conselhos são a porta de entrada das denúncias, tendo contato com o pior que essa humanidade pode gerar, a crueldade, a opressão, a violência. São responsáveis pela primeira ação para cessar isso, mas não podem fazer sozinhos, precisam de toda uma rede trabalhando junto”, expôs Regina Mendes, conselheira em Belo Horizonte.
Segundo ela, ainda faltaria essa retaguarda para apoiar o trabalho dos conselhos, órgãos criados e regulamentados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cuja implementação é obrigatória e cabe aos Poderes Executivos municipais.
Pós-pandemia é preocupação
Ela lembrou que os professores muitas vezes são aqueles a quem as crianças recorrem primeiro, indicando possíveis abusos e outras violências sofridas, uma relação de confiança interrompida com as restrições impostas pela Covid-19.Convidados expuseram a preocupação da classe com a subnotificação de casos de violações de direitos contra crianças, uma vez que as escolas se mantiveram fechadas durante grande parte da pandemia até aqui.
Na sua avaliação, pontos como esses são grandes desafios do momento para a proteção integral dos direitos das crianças e deveriam merecer reflexões dos órgãos públicos, das famílias e da sociedade em geral.
Ainda registrou que estudo feito na pandemia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicou que a desigualdade escolar na rede pública de ensino é de 64% em relação à rede particular, o que tem se refletido também na evasão escolar na escola pública.
Retrocesso em matrículas
Alerta semelhante partiu do presidente do Conselho Tutelar de Belo Horizonte, Gabriel . Segundo ele, muitos pais e familiares estão voltando a trabalhar recentemente e recorrendo a vagas para os filhos, sem que as escolas estejam recebendo todos os alunos. “Retrocedemos ao ano 2000 em número de matrículas”, lamentou ele.
Gabriel ainda frisou que diariamente são atendidos no conselho casos de crianças e adolescentes que viraram órfãos durante a pandemia, em que familiares lutam por sua guarda, desejando regularizar a situação para a volta da convivência familiar. “Vamos ver se os órgãos terão a celeridade necessária para esse enfrentamento e regularização”, observou ele.
O conselheiro também abordou a violência contra crianças e adolescentes, frisando que o Disque 100 teria recebido 2,5 mihões de denúncias no País em 2020.
Desses, teria sido constatado que as crianças estavam falando a verdade em 96% dos casos que envolviam denúncia de violência sexual. Em somente 4% elas teriam sido induzidas por um adulto a mentir, para prejudicar um outro adulto.
Gabriel Damaso ainda alertou que os conselheiros se vêem às voltas com outros indicadores graves, ao frisar que no Brasil morreriam por dia 18 crianças agredidas da mesma forma como foi o menino Henry Borel, morto no Rio de Janeiro após agressões que têm como suspeitos o padrasto e a mãe, porém sem a mesma divulgação.
Conselho cogita se integrar ao Judiciário
Coube ao presidente da Associação dos Conselheiros Tutelares de Minas Gerais (Acontemg), Davidson do Nascimento, a defesa mais veemente de mudanças na estrutura desses órgãos.
A partir do ECA, ele registrou que algumas atribuições para a proteção de direitos foram transferidas do Poder Judiciário para o Conselho Tutelar, o que considerou como democrático, por serem os conselhos eleitos e formados por representantes da sociedade.
“É filosoficamente correto, mas na prática não está dando certo”, se opôs ele, reivindicando mudanças na legislação para que os conselhos sejam desvinculados das prefeituras.
Entre problemas que o modelo atual teria, ele citou dificuldades para a eleição de conselheiros, baixa remuneração, com 90% dos conselheiros recebendo um salário mínimo, e falta de recursos e estrutura de trabalho.
Davidson do Nascimento disse, contudo, que os conselhos não querem apenas mudanças nesses pontos, e sim um novo arranjo institucional. Nesse sentido, ele disse que uma das hipóteses defendidas pela entidade seria a instância conselho tutelar passar a fazer parte da estrutura do Judiciário, onde observou que há carreira sólida e boas condições para atuação.
Nesse sentido, o presidente da Acontemg reivindicou a criação de uma comissão para tratar da questão, envolvendo também a Câmara Federal, uma vez que mudanças na legislação federal também seriam necessárias para viabilizar uma nova conformação.
Deputado quer discutir reivindicações
O deputado Zé Guilherme endossou as posições manifestadas pela associação dos conselheiros e defendeu a análise das reivindicações.
Para o presidente da comissão, na maioria das vezes as prefeituras não apoiam os conselhos tutelares, porque não têm recursos nem estrutura para potencializar a atuação de seus membros.
O parlamentar acrescentou que os conselheiros vivem e atuam em condições que são ainda mais precárias no interior.
"Sabemos que todos tivemos que nos adequar à realidade imposta pelo vírus e que ainda estamos enfrentando isso. Muitos perderam pais, mães e avós responsáveis pelos cuidados diários e pelo sustento da casa, sem falar de isolamento, desemprego, crise na saúde e violações dos direitos. Por isso é dia de exaltar e agradecer pelo trabalho dos conselheiros mesmo com todas essas adversidades", homenageou o presidente da comissão.
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