Por: Davidson Luiz do Nascimento. (*)
As experiências
acumuladas e as lutas políticas marcam profundamente nossas vidas. Pelo Movimento Estudantil (1), fui iniciado na vida pública e na política. Dele trago a importância da participação
em nossa formação como ser humano.
Mas enfim, foram
nos encontros de formação continuada, nas trocas de ideias e nas
“capacitações” sobre o ECA nos municípios, também nas rodas de conversa com os
(as) Conselheiros (as) Tutelares por Minas Gerais de onde extraí as melhores
reflexões sobre o dia-a-dia da atividade dos (as) Conselheiros (as) Tutelares.
Recordo-me do
“causo” do macaco: “O macaco queria assar uma castanha e pediu ajuda ao gato.
A chapa que aqueceria a castanha estava fria. O macaco colocou as castanhas na
chapa fria. Quando a castanha estava muito quente, no ponto, o macaco pedia a
ajuda do gato para retirar a castanha da chapa. E ele (o macaco) comia a
castanha. A mão queimada era a do gato.” Como bons mineiros, os (as)
Conselheiros (as) sempre alertam-nos sobre o cuidado que devemos ter quando
tentam fazer de nós a mão do gato.
Alguns atores da
rede de proteção levam até o Conselho apenas as notícias parciais. O que se exige
hoje do Conselheiro Tutelar é a capacidade de trabalhar a verdade, discernir os fatos, identificar o real violador dos direitos e aplicar as medidas necessárias. Essas demandas batem à porta dos Conselhos Tutelares todos os dias.
Na experiência em
rede, de forma colegiada e dialógica, tendo como fonte argumentativa as
legislações, devem ser construídas as respostas para essas demandas. Entre as mais
variadas orientações do Estatuto, são nos artigos 6, 98 e 99, 100, 101, 129,
136 do ECA e 227 da CF/88, os significados
e princípios que mais iluminarão
as ações e as medidas a serem aplicadas pelos (as) Conselheiros. Edson Seda alertou-nos sobre esses significados:
[...] as medidas de proteção devem sempre buscar os
fins sociais a que se destinam, nos termos do artigo 6º do estatuto. Não devem,
portanto, estar cingidas a formalismos processualísticos que obstaculizam as
necessidades pedagógicas, pois estas, necessariamente, devem respeitar a
condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, que caracteriza a infância e a
adolescência [...] (SEDA, 2003).
É fundamental
dedicar a atenção adequada na aplicação das medidas de proteção. O
Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal 8069/90, em seus primeiros
artigos, deixa claro que todas as demais legislações devem ser consideradas e
aplicadas para fazer valer os direitos fundamentais, não se resumindo apenas ao próprio texto do ECA.
Nos desdobramentos
sempre estão presentes a atenção às complexidades e particularidades de cada
caso. A intenção é atingir os objetivos centrais nos resultados dos
atendimentos: sanar as violações protegendo a infância e a juventude.
Observam-se nas ações dos (as) Conselheiros (as) os minuciosos cuidados nos
encaminhamentos dos casos. Sigilo absoluto. Os valores religiosos do
Conselheiro Tutelar não cabem nos atendimentos. O Estado é laico e muito pouco
importa os mandamentos de nossas crenças no ato do atendimento.
Tão importante
quanto essas ações de atendimento direto às famílias, às crianças e aos
adolescentes são as demais atribuições dos (as) Conselheiros (as) Tutelares, principalmente
a mencionada no artigo 136, inciso IX “assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta
orçamentária para planos e programas de atendimento aos direitos da criança e
do adolescente”. Essa talvez seja a atribuição mais elementar do ECA a ser
trabalhada pelos novos (as) Conselheiros (as) Tutelares, gestores públicos,
instâncias de controle social e legislativos.
O Conselho Tutelar
deve auxiliar o poder executivo local na elaboração de políticas públicas. Rose Mary de Carvalho, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, já alertava:
Essa atribuição é extremamente importante, porque
ninguém melhor que o Conselho Tutelar para assessor o Poder Executivo local na
área relacionada com a criança e o adolescente, pois sendo o representante da
comunidade, é ele que sabe das necessidades das crianças e dos adolescentes que
vivem em seu seio, devendo propor ao poder local a consecução de recursos
necessários e a definição de programas que devem ser priorizados para
solucionar os problemas advindos da marginalização da criança e do adolescente
no Município” (CARVALHO, 2003).
Na maioria dos
municípios mineiros, os (as) Conselheiros (as) Tutelares não são convidados para as
audiências públicas que aprovam os PPA, PPAG e LOA. Essas são legislações
vinculadas aos planos orçamentários, planejamentos, diretrizes e prioridades
financeiras a serem executadas pelo município.
A princípio, é
fundamental constar a complexidade envolvida na construção de orçamentos, além da dificuldade de traduzir a linguagem utilizada nas peças orçamentárias. Há ainda a necessidade de entender os princípios constitucionais a serem respeitados na constituição de tais leis. A Constituição Federal de 1988 traz os princípios
democráticos de que os gestores públicos deveriam cumprir no ritual de
constituição de leis, no ritual de aprovação pelo legislativo, até mesmo a importância
da sanção ou veto do executivo.
Enfim, não se trata
de ações simples. Mas se o envolvimento direto dos (as) Conselheiros (as)
Tutelares não estiver na pauta dos poderes, na agenda política do município,
esse vazio não será preenchido. Isto causará um atraso temporal de grandes
proporções.
A elevação da
consciência política, além da participação direta e indireta, está também na elaboração
e na fiscalização da oferta de serviços pelas redes que atendam a verdadeira
demanda para as crianças e adolescentes no município. Planos inverídicos gerarão
desperdícios de recursos públicos, devido às políticas públicas mal formuladas
que causarão prejuízos à população e aos municípios.
Nos questionários
respondidos pelos (as) Conselheiros (as) Tutelares, nos anos de 2008 e 2011,
perguntamos se “ocorre a consulta a eles (pelos gestores ou pelas
autoridades com representações delegadas) no processo de elaboração das peças
orçamentárias?”. Em média, 83,45% responderam que não ocorre. Os Conselheiros
Tutelares não são consultados quando o Legislativo e o Executivo elaboram
planos, programas e políticas públicas para o atendimento dos direitos das
crianças e dos adolescentes no município.
GRÁFICO 1
Gráfico produzido a
partir de dados das consultas de 2008 e 2011, (serie histórica de consultas em
andamento) onde foram ouvidos 820 Conselheiros (as) Tutelares em Minas Gerais,
trabalho de consulta realizada sob a coordenação do pesquisador Davidson Luiz
do Nascimento. (3)
Mas como os atores
devem se comportar diante dessa realidade? Como resposta a esta pergunta deve haver nos municípios uma interlocução
qualitativa dos gestores e dos legislativos municipais diretamente com os
Conselhos Tutelares. Ainda, a instrumentalização dos equipamentos públicos com
tecnologias avançadas, por exemplo, a oferta regular de internet para que seja
instalado o SIPIA (Sistema de Informação para a Infância e Adolescência).
Tal software qualifica
e quantifica os dados dos atendimentos nos Conselhos Tutelares, gera relatórios
simultâneos por bairros, regionais e por localidades específicas; com
apontamentos dos tipos de violações mais comuns; onde há a ausência de
redes de proteção, redes de defesa e de atendimento; onde há registros mais
frequentes de determinados casos, entre outras informações relevantes.
Como uma política
sólida, de continuidade, é fundamental garantir remuneração para os
Conselheiros Tutelares justa. O ideal seria uma remuneração, semelhante ao salário
dos parlamentares municipais, como forma de garantir que esse profissional não
tenha que deixar a profissão de Conselheiro Tutelar devido aos baixos salários.
Mas a percepção é da
enorme dificuldade na adequação da infraestrutura dos Conselhos Tutelares, e de
fundo, na aceitação da troca e publicização de dados entre as três esferas de
poderes, ausência de transversalidade (dada às disputas partidárias e de
vaidades do primeiro escalão) no plano intragoverno.
Outros
instrumentos tecnológicos, se bem utilizados, revelarão a realidade das redes
de proteção, de promoção e de atendimento aos direitos e às violações de
direitos das crianças e dos adolescentes nos municípios.
É sabido que
gestores das esferas federal, estadual e municipal estão se esforçando na consolidação
do SIPIA nas cidades. Mas a universalização deste sistema de informação é uma
realidade ainda distante a ser alcançada.
A falta de
informação (e do SIPIA) não se configura como objeto para o descumprimento do
ECA, em especial do artigo 136 - inciso IX. Outras maneiras de obter dados
sobre os atendimentos diários no Conselho Tutelar devem ser utilizadas pelos
Conselheiros, mensalmente, como forma de garantir dados quantitativos e qualitativos capazes de subsidiar as decisões, sejam elas dos gestores, legisladores,
judiciário ou demais autoridades locais.
O gráfico abaixo revela que, em 2008 e 2009, entre os 820 Conselheiros (as) consultados, em média
60% dos casos atendidos são encaminhados aos gestores municipais e ao CMDCA.
Relatórios diários, semanais, mensais e semestrais são emitidos às prefeituras
e às instâncias de controle social. Ainda havia que as cidades não possuíam o SIPIA.
GRÁFICO 2
Gráfico produzido a
partir de dados das consultas de 2008 e 2011, (serie histórica de consultas em
andamento) onde foram ouvidos 820 Conselheiros (as) Tutelares em Minas Gerais,
trabalho de consulta realizada sob a coordenação do pesquisador Davidson Luiz
do Nascimento. (3)
Os dados revelam
também que em média 40 % dos casos atendidos nos Conselhos Tutelares não são do conhecimento das prefeituras
e dos CMDCAs. Pode-se inferir, a princípio, que não há uma comunicação direta dos
gestores municipais com os (as) Conselheiros Tutelares, nestas ocorrências.
Uma pergunta deve
ser feita: “é dada a devida importância a essas informações ao ponto delas
aparecem nas propostas orçamentárias e nos planejamentos estratégicos de ação
governamental nos municípios, nos Governos Estaduais e Federal”? A realidade
tem demonstrado que nos municípios nem sempre há planejamentos estratégicos,
muito menos uma política de elaboração do “Orçamento Criança”.
Se prefeito fosse, eu estimularia este tratamento qualitativo e quantitativo dos atendimentos aos
direitos das crianças e dos adolescentes, o apontamento das demandas e a
ausência de determinados serviços, uma vez que esses dados poderão subsidiar os
Prefeitos na elaboração e captação de recursos financeiros e materiais junto
aos Fundos, Empresas e aos demais níveis de governos, ajudando-os a se tornarem
cidades de referência no atendimento às crianças e aos adolescentes.
A nova geração de
Conselheiros e Conselheiras Tutelares deve estar atenta e ser mais pró-ativos.
Apresentar projetos de captação de recursos aos Fundos da Infância, Fundos da
Assistência Social, Fundo da Cultura, Fundos da Juventude. Ainda sensibilizar
as empresas para fortalecer os Fundos de Incentivo, demonstrar as vantagens da
dedução de sua doação no Imposto de Renda.
Por fim, os
Conselheiros Tutelares dessa nova geração, não podem perder de vista a
necessidade de uma comunicação ativa com a comunidade, explicando
pedagogicamente o poder e a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente
e as formas que a comunidade pode fazer para auxiliar no trabalho das
Instituições Públicas e Privadas que atuam no município e na região.
Avancemos com inteligência e ancorados em nossas atribuições como Conselheiros Tutelares, claramente
fundamentados pelo artigo 136, inciso: IX do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Diplomacia e diálogo. O lema do Conselheiro Tutelar contemporâneo dever ser a ocupação da agenda
pública do governo em cada cidade. Construir unidade de ação com o objetivo de pautar a agenda política e o cumprimento das decisões legais trazidas pela Constituição Federal de
1988. Lembrando sempre da importância do pleno atendimento, com prioridade absoluta, das crianças e dos
adolescentes em nossos municípios.
Referências:
(*)
Davidson Luiz do Nascimento. Presidente da ACONTEMG (Associação dos
Conselheiros e ex- Conselheiros Tutelares de Minas Gerais). Pedagogo.
Graduando em Ciências do Estado (UFMG). Conselheiro Tutelar em BH/MG
(2004/2009) - Pós-graduando em Gestão Pública (UFV). Educador Social da Escola
da Cidadania da Fundação de Ensino de Contagem (FUNEC). Email: nascimento.davidson@gmail.com
CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - 6ª edição, Coordenador Munir Cury, Ed. Malheiros editores- 2003- SP. Página 319 - citação Edson Seda e pág. 460 citação Rose Mary de Carvalho.
1- NASCIMENTO. Davidson Luiz do, Memória
do Movimento Estudantil: UMES-BH 1998. publicado no site
www.acontemg.blogspot.com.
2- Legislações consultadas:
·
Lei Federal: 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA);
·
Lei Federal: 9495/96 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDBEN);
·
Constituição Federal da República Federativa do
Brasil;
·
Lei Orgânica da Assistência Social (sistema e
normas) - LOAS e SUAS
3- Gráficos produzidos
a partir de dados coletados das consultas de 2008 e 2011, onde foram ouvidos
820 Conselheiros (as) Tutelares em Minas Gerais, mediante a aplicação de
questionários enviados por correspondências, como parte da serie histórica
de quatro consultas em andamento (2008, 2011, 2012 e 2015), trabalho
de consulta e sistematização sendo realizado sob a coordenação
do pesquisador Davidson Luiz do Nascimento.
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