O DIREITO À EDUCAÇÃO E A PANDEMIA
Por: Davidson Luiz do Nascimento. 01/07/2020
A pandemia de COVID-19 foi declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) devido à propagação em massa do novo coronavírus. Nos cotidianos familiares, ela se apresenta nos diversos dilemas envolvendo os direitos da criança e do adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei Federal 8069/90) regulamenta o direito à educação, à vida, à dignidade, à saúde, à liberdade, à família, dentre outras proteções constitucionais. Apenas nos atendo aos direitos à vida, família e educação, já temos muito sobre o que conversar.
A vida das crianças e dos adolescentes vem em primeiro lugar. Isso é o principal. Para usufruírem do direito a educação, as crianças e adolescentes precisam estar vivas. Segundo o ECA e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), o direito à educação constitui-se de várias maneiras e em ambientes simultâneos, como escola, família, comunidade e também na sociedade. É também na busca e troca de conhecimentos, saberes e experiências que crianças e adolescenres se realizam.
A Constituição Federal de 1988, o ECA e outras leis também abordam crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, objetos de discussão neste período de pandemia. Cada caso que chega aos órgãos de proteção dever ser tratado como único. Esse é o principio orientador de medidas protetivas adotado nas últimas décadas.
Cada ser é único, ainda que a legislação o afete de forma universal. Portanto, a aplicação de medidas é sempre direcionada à concretude de cada caso.
Em tempos de pandemia e isolamento social, todos – família, sociedade e Estado – devem buscar ações para preservar os direitos da criança e do adolescente, garantindo ambientes propícios de acordo com o ECA. Cada instância tem a sua obrigação e competência prevista em lei. Negligenciar direitos implica em ilegalidades.
Uma criança é violada quando a família a libera para ações que caracterizam o descumprimento das medidas sanitárias. O Estado também o faria se orientasse o funcionamento das escolas em tais condições.
A LDBEN reconhece que uma parcela importante da garantia do direito à educação passa pelo acesso à escola. A educação formal pode ser ofertada pelo Estado, comunidades organizadas, organizações sociais devidamente fiscalizadas ou ainda por empresas particulares que atuem com autorização e supervisão do Estado.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e autoridades estatais recomendaram o isolamento social como principal medida de contenção do Coronavírus. Portanto, não há como instituições de ensino retomarem o funcionamento sem a garantia absoluta da segurança sanitária.
A família, a escola e a comunidade podem e devem trabalhar em parceria para encontrar outros meios para que as crianças estabeleçam trocas coletivas e o exercício da alteridade. Mesmo sendo as escolas locais privilegiados para a produção de conhecimentos, não podem voltar a funcionar sem garantias de segurança à vida das crianças, adolescentes e de toda a comunidade escolar.
Poucas escolas públicas tem condições de recorrer à Educação à Distância (EAD). De qualquer forma essa estratégia não supre plenamente as necessidades de aprendizagem de pessoas em desenvolvimento. As aprendizagens múltiplas envolvem trocas de saberes e afetos. E a sua potência materializa-se mesmo é na instância da coletividade. Lives, aulas à distancia, transmissões de dados e conteúdos no modelo EAD não são recursos didáticos plenos. Por si só, não atendem aos objetivos da educação no Ensino Fundamental e Médio e jamais substituirão as relações presenciais no que diz respeito à formação humana e das habilidades socioemocionais.
O momento reclama iniciativas emergenciais, que mal aplicadas podem se demonstrar deficitárias. Sendo a EAD uma oferta insuficiente de recursos educacionais para o Ensino Fundamental e Médio, é preciso cuidado para evitar danos irreparáveis às presentes gerações.
A instabilidade e a insegurança diminuem a potência geracional dos seres viventes, e essa é uma das condições da presente pandemia.
Diante dos fatos, põe-se a pergunta: podem ser reparados os danos decorrentes da insuficiente garantia do direito à educação? Penso que não. Inevitavelmente, haverá o momento em que as autoridades sanitárias aprovarão o retorno das atividades escolares presenciais. E apenas com uma retomada segura poderá ser garantido plenamente o direito à educação.
Nenhuma criança e adolescente poderá ser retido ou sofrer qualquer outro prejuízo no percurso escolar por força do isolamento social. Nenhum aluno poderá ser reprovado ou prejudicado ao participar de processos educativos insuficientes, incompletos e longe do que prevê a legislação. Vivemos uma excepcionalidade histórica. Paliativos são apenas paliativos.
O momento tão triste e ameaçador, não pode ser usado como pretexto para deixarmos de ser vigilantes.
Que façamos deste um momento de resistência rumo a mais garantias para as crianças, adolescentes e suas famílias. Em um único som deve-se dizer NÃO À EDUCAÇÃO PRECÁRIA E À FRAGILIZAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO. Nenhum direito a menos.
Davidson Luiz do Nascimento
Pedagogo graduado pela Faculdade de Educação da UEMG; bacharel em Ciências do Estado pela Faculdade de Direito da UFMG; Conselheiro Tutelar dos Direitos da Criança e do Adolescentes e suplente por 4 mandatos em Belo Horizonte. Consultor e ex- Presidente da Associação dos Conselheiros Tutelares de Minas Gerais (Acontemg).
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